quarta-feira, 27 de março de 2013

Proposta de Emenda à Constituição quer acabar com poder de investigação do Ministério Público e outras instituições

Uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) tem provocado polêmica e mobilizações contrárias à sua aprovação por boa parte da sociedade. Trata-se da PEC 37 que limita os poderes investigativos na esfera criminal às polícias civil e federal, inviabilizado a atividade em outros setores, como o Ministério Público. De autoria do deputado Lourival Mendes (PTdo B/MA), a proposta está na Câmara Federal e precisa ser votada em dois turnos. Se aprovada por 3/5 dos deputados segue para votação no Senado.

QUEM É CONTRA:
Segundo o promotor Leonardo Castro Maia, a PEC é um retrocesso para a Justiça e a democracia do Brasil. “Essa proposta quer introduzir no sistema uma restrição que só existe em três países do mundo: Quênia, Uganda e Indonésia, que não são referência para o Brasil. Não que tenhamos algo contra esses países, mas eles não servem de referência para o estágio democrático avançado que já vivemos no Brasil. O Ministério Público, para se ter uma ideia, foi considerado a terceira instituição com maior credibilidade no Brasil, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas. Isso porque somos uma instituição independente e neutra”, destaca.
Segundo Maia, a PEC restringirá, além dos Ministérios Públicos Estaduais e o Federal, outros órgãos que, atualmente, têm contribuído para que não haja tanta corrupção no Brasil. “Além do MP, o Banco Central não poderá fazer investigações, os órgãos ambientais, as Receitas, a Previdência Social e outros. Se essa proposta for aprovada, todos esses órgãos não poderão mais investigar. Só a Polícia Civil e a Polícia Federal. Isso é um retrocesso em um país onde há tantos casos de corrupção e crimes. Seremos apenas agentes passivos na fiscalização da lei”, explica.
Maia destaca ainda que a aprovação da PEC poderá criar confusão e, inclusive, favorecer réus. “Isso porque os advogados poderão juntar arquivos, pesquisar, investigar para defender seus clientes, enquanto os promotores terão que trabalhar com o que a polícia repassar. Ou seja, se no meio do julgamento anexarmos alguma prova ela poderá perder o valor porque a defesa poderá alegar que estamos investigando. Acredito que hoje o Ministério Público e todos os demais órgãos fiscalizadores têm feito um excelente trabalho em parceria com as polícias. Juntos somos mais eficientes. Quando várias entidades realizam investigações independentes, a comprovação do crime fica mais óbvia. Quando vemos que a imprensa, a Polícia Civil, a Federal e o Ministério Público apontam para os mesmos réus, o caso fica mais claro. E o modelo que temos hoje no Brasil é o mesmo de países do Primeiro Mundo, como a França, a Inglaterra, os Estados Unidos, Alemanha, Espanha e Portugal. Mudar isso será um retrocesso”, afirma.
O promotor ainda destaca que o próprio Supremo Tribunal Federal (STF) já entendeu por diversas vezes que o Ministério Público tem o poder de investigar. “Essa questão já foi analisada em algumas ocasiões por alguns ministros do STF, e eles entenderam que o MP tem esse poder de investigar. Um exemplo disso é o próprio julgamento do ‘Mensalão’. Ele foi baseado em investigação do Ministério Público e os réus já foram condenados. Se não tivéssemos essa autoridade, o processo até hoje, talvez, nem teria sido investigado completamente. Não há nenhuma arbitrariedade na investigação do Ministério Público. Até porque todas as provas que anexamos nas nossas investigações são conferidas e controladas pela Justiça. Se uma prova estiver errada, ela será contestada pela defesa e pelo controle do MP”, disse.
Leonardo Castro Maia enfatiza que a PEC 37 vende uma ideia falsa ao País, que poderá gerar muita impunidade. “Eles estão dizendo que com a aprovação da PEC as polícias serão fortalecidas. Sou defensor do fortalecimento da polícia. Acredito que para acabarmos com a impunidade no Brasil, com a corrupção e outros crimes, precisamos de uma polícia forte, bem equipada. Porém, isso não tem nada a ver com o enfraquecimento do Ministério Público e outros órgãos fiscalizadores. A melhora da polícia não está ligada à restrição imposta ao MP. Alguns políticos — digo alguns para não generalizar — têm vendido essa ideia falsa, de que a PEC vai melhorar as polícias e fortalecer as investigações. Mas acredito que a polícia precisa muito mais de infraestrutura, tecnologia, veículos, pessoas do que do poder exclusivo, do monopólio da investigação. O que estão querendo fazer é monopolizar a investigação nas mãos de pessoas que estão, infelizmente, sujeitas ao Poder Executivo. Digo isso porque os delegados são nomeados pelos próprios governantes. O mesmo ocorre com a Polícia Federal. Já o Ministério Público é neutro. Não sofre essa pressão política em seu trabalho. Por isso, todos os promotores do País consideram essa proposta um retrocesso para a democracia brasileira”, destacou.
O mais preocupante, segundo o promotor, é que a PEC visa apenas aos interesses de “pessoas do mal”. “O Brasil tem que se preocupar em ampliar a investigação e não reduzi-la. Essa PEC só beneficiará pessoas com intuitos obscuros, inconfessáveis, para atender apenas interesses pessoais delas. A sociedade tem que entender que nós do Ministério Público não estamos pedindo aumento, não estamos pedindo mais promotores, não estamos pedindo estrutura física. Só queremos o direito de continuar trabalhando e fiscalizando a lei no País, através da investigação. Não que sejamos melhores que a polícia. Isso também não quer dizer que a polícia não esteja sendo eficiente. Só acreditamos que podemos contribuir mais, com uma visão diferenciada do crime, através das nossas investigações. Já fazemos esse trabalho de investigação e queremos continuar trabalhando ao lado das polícias. Não concordamos com esse mundo torto que estão querendo criar”, finaliza.

QUEM DEFENDE
EDUARDO MAHON: Tão apocalíptica como inverídica é a campanha do Ministério Público contra o projeto de emenda constitucional que delimita os poderes investigativos. Na verdade, deixa claro o que a Constituição já proíbe. Alega a comunicação ministerial que, ao aprovar o projeto, as consequências deletérias serão muitas: aumento da criminalidade, da impunidade, limitação de poderes dos tribunais de contas, entre outras trombetas que soam alto na opinião pública brasileira. O objetivo é nocautear quem diverge, cunhando a pecha de conivente e irresponsável nos que adotam tese contrária aos interesses do Ministério Público. Cuida-se de sofismo.
Como é do conhecimento de especialistas, a impunidade não tem nenhuma relação com a titularidade da investigação penal. Qualquer jejuno em matéria jurídica reconhece que a causa central do mal da impunidade é um sistema processual lento, burocrático, sem ferramentas tecnológicas adequadas e suporte humano treinado para lidar com milhares de processos. Uma gestão eficiente na burocracia judicial, do agendamento de audiências, da gestão administrativa, são três soluções óbvias. 
Quando faltam computadores, combustível, investigadores de polícia, a impunidade aumenta; da mesma forma, as operações açodadas e desfundamentadas carreiam nulidades processuais que multiplicam impunidade; e, finalmente, a manutenção da crise burocrática judiciária nos tribunais superiores é outra relevante causa de impunidade que precisa ser sublinhada. A criminalidade exacerbada é gerada pela ausência do Estado e pelo pauperismo econômico e não pela mera atribuição de investigar um delito já ocorrido. É a lógica da observação diuturna do fenômeno criminal que coordena condições sociais, ineficiência estatal e dificuldades de respostas processuais imediatas.
Há sistemas penais de todos os tipos. Uns que privilegiam a investigação ministerial, outros que indicam a exclusividade policial na condução do inquérito; há os que subordinam as investigações ao órgão de acusação e os que promovem a independência entre as instituições de investigação e de promoção de ação penal. A criminalidade e a impunidade não se relacionam com as metodologias constitucionais ou infraconstitucionais adotadas por um sistema jurídico, porque pode haver eficiência na apuração, ação e punição em modelos que privilegiam a investigação policial e ineficiência no modelo que concentra a investigação sob a 
Na verdade, o que está em xeque é muito mais um jogo político de poder do que a discussão sobre os índices de criminalidade brasileira. Até porque as investigações ministeriais são seletivas, atingindo uma pequena porção de delitos e podendo redundar em duplicidade ou paralelismo de investigação, o que é ilegal. A eficiência no combate à corrupção reside muito mais na independência das instituições investigativas do que nas nominais indicações de quem vai investigar. Por isso mesmo, não adianta aparelhar o Ministério Público com o poder investigativo e deixar a polícia subordinada ao Poder Executivo. É juridicamente incoerente.
O debate nacional sobre o projeto de emenda constitucional é muito oportuno e enseja o enfrentamento de temas sobre os quais já deveríamos ter nos debruçado. Não é possível sustentar uma posição com desonestidade intelectual e, sobretudo, carimbar de preconceito uma instituição como a polícia. A polícia e o judiciário não são corruptos e ineficientes, o que há é a crônica falta de investimento em equipamento, tecnologia e pessoal. Uma hipertrofia ministerial quase onipresente não vai resolver a impunidade criminal, caso não haja julgamento célere, presença estatal em áreas de risco e aumento considerável nos índices de educação, saúde e emprego. 
A polícia judiciária deve se tornar realmente judiciária. É preciso desligar a subordinação institucional com o Poder Executivo, oportunizando aos delegados independência funcional, essa mesma independência que possibilita o combate à corrupção com destemor. Não é possível supor sucesso na investigação de altos escalões municipais, estaduais e federais com remoções arbitrárias, transferências inexplicáveis, determinações superiores questionáveis de um poder que pode estar no foco do inquérito policial. Para debelar esse vício é dispensável o contorcionismo jurídico em atribuir a outra entidade o poder investigativo da polícia. Basta conferir a quem já é treinado para investigar a independência necessária.

Via: Diário do Rio Doce.

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