sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Perigo na Rodovia JK

Governo gastou R$ 2,4 milhões para revestir rodovia, mas a lama asfáltica deixou a pista com aderência de sabão; segunda-feira (6), o repórter Ney Pantaleão flagrou três acidentes em menos de 30 minutos
Em novembro passado, em pleno verão equatorial, choveram críticas à decisão do governo estadual de aplicar “lama asfáltica” para revitalizar a Rodovia JK. Imune à opinião contrária de engenheiros e especialistas em manutenção de pistas de rodagem, o governo deu a ordem de serviço à Construtora Rio Pedreira. A obra consumiu R$ 2,4 milhões e o argumento da Secretaria de Transportes (Setrap) era a redução do custo em 40%: a tonelada de lama asfáltica saiu por R$ 2 mil, enquanto o reparo com o mesmo volume do asfalto convencional custaria R$ 4,2 mil. Após três meses da empreitada, as chuvas chegaram e constatou-se o óbvio: o barato está saindo caro para os motoristas; molhada, a lama asfáltica produz o efeito de sabão e os carros patinam na pista provocando muitos acidentes.

No domingo (5), o efeito perverso da lama asfáltica teve como um dos alvos o repórter Ney Pantaleão, que levou sua família para um passeio. Chovia quando ele trafegava na rodovia JK no sentido Macapá/Fazendinha. Na altura do KM 06 da rodovia, quando transpunha o trecho em frente ao clube dos funcionários da empresa Domestilar, o carro rodopiou na pista molhada. Por sorte, ninguém se feriu. “A lama asfáltica transformou a rodovia JK numa arma contra os motoristas, principalmente quando chove. Por pouco, não levamos o farelo”, observou Ney.
Na segunda-feira (6), acompanhado por um cinegrafista, Pantaleão voltou ao trecho da rodovia em que seu carro havia patinado. No local, uma placa informa que a velocidade permitida é de 80 km/h. Enquanto gravava as cenas do trânsito, o repórter presenciou três acidentes em menos de 30 minutos. Dois carros e uma moto rodopiaram e bateram, mas seus condutores não sofreram ferimentos graves, ao contrário dos veículos que ficaram danificados.
“Perdi totalmente o controle do meu carro, que quase bateu no poste. O que fizeram nessa rodovia é uma brincadeira com a vida humana”, indignou-se o médico Jorge Tadeu, que seguia para Santana. “Não quero ser profeta do caos, mas se não corrigirem esse problema, muita gente vai morrer por causa da lama asfáltica”, emendou Pantaleão. As cenas captadas na reportagem foram veiculadas no Jornal 16, da TV Tarumã, que vai ao ar de segunda a sexta-feira, entre 12h e 13h30.
Fica no ar a pergunta: flagrar três acidentes em menos de 30 minutos foi sorte do jornalista, azar dos motoristas ou a lama asfáltica foi uma escolha técnica equivocada do governo? Na dúvida, enquanto o governo não remenda o erro, vale à pena rezar para que São Pedro não mande uma chuva no momento que você estiver trafegando pelo trecho perigoso da JK, agora, rodovia do sabão.
Técnicos alertaram sobre inadequação
Há dez anos, o aposentado Carlos de Souza Campos mora na casa de nº 380 do KM 06 da rodovia JK, no bairro Universidade. Ele acompanhou o trabalho dos operários da Construtora Rio Pedreita, quando colocavam a lama asfáltica na rodovia. Carlos é um expectador privilegiado dos acidentes no trecho onde Ney Pantaleão quase “levou o farelo”. “O governo tem que mandar consertar, corrigir isso aí, senão os acidentes vão continuar e muita gente vai morrer”, criticou.
Em novembro passado, quando o recapeamento teve início, Ribamar Lopes, funcionário da Construtora Rio Pedreira, encarregado do serviço, reconheceu a baixa qualidade do material. “Esse produto é 40% mais barato e também apresenta durabilidade menor. Mas o recurso disponível só dava para fazer isso”, afirmou Ribamar.
Uma das fabricantes da emulsão asfáltica, a Brasquímica, de Salvador (BA), recomenda o uso para selar ranhuras no pavimento e eliminar problemas de derrapagem. A aplicação é indicada para efeito corretivo em vias com até 10 anos de uso e com tráfego leve. Não é o caso da rodovia JK, que tem mais de 13 anos e um fluxo intenso de veículos.
Cada tonelada da lama asfáltica custa cerca de R$ 2 mil, enquanto o asfalto convencional sai em torno de R$ 4,2 mil, levando em conta os custos de fabricação nas usinas e a mão de obra. Para pavimentar 1 km de asfalto comum são necessárias 45 toneladas. E para selar o mesmo trecho, utiliza-se apenas 25 toneladas de lama asfáltica.
No aspecto visual, o resultado de ambos é parecido, mas a diferença está na durabilidade. Enquanto o asfalto pode durar até dez anos, a lama asfáltica poderá atingir apenas dois, se submetida a condições adversas.
O engenheiro civil Benedito Elias de Souza Filho havia alertado que a lama asfáltica jamais poderia ser indicada em trechos de tráfego constante, como na rodovia JK. “Esse microrrevestimento é só uma manutenção corretiva e não pode ser aplicado sobre uma pavimentação pré-existente”, resumiu.


A Gazeta

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