domingo, 21 de abril de 2013

Você vai ajudar a apertar esse gatilho?

Diante de tanta discussão e polêmica acerca do tema, não resisti e vou tocar no assunto!
Bem, pra iniciarmos a nossa conversa, se faz necessário esclarecer algumas informações sobre a questão da maioridade penal, pois nem todas as pessoas entendem profundamente sobre o assunto. 
A maioridade penal, também conhecida como "idade da responsabilidade criminal", é a idade a partir da qual o indivíduo pode ser penalmente responsabilizado por seus atos, em determinado país ou jurisdição. Em alguns lugares, essa maioridade penal não coincide, necessariamente, com a maioridade civil, nem com as idades mínimas necessárias para votar, para dirigir, para trabalhar, para casar etc. 
No nosso País, a maioridade ocorre aos 18 anos, segundo o artigo 228 da Constituição Federal reforçado pelo artigo 27 do Código Penal e pelo artigo 104 do ECA (Lei nº 8.069/90). Isto posto, só pra você compreender, os crimes praticados por indivíduos adultos quando realizados por pessoas com idade abaixo de 18 anos são legalmente chamados de “atos infracionais” e seus praticantes são vistos como “adolescentes em conflito com a lei”. 
No que se refere às penalidades previstas, em se tratando de adolescentes, elas são chamadas de “medidas socioeducativas” e se restringem apenas aos adolescentes (pessoas com idade compreendida entre 12 anos de idade completos e 18 anos de idade incompletos. Todavia, a medida socioeducativa de internação poderá ser excecionalmente aplicada ao jovem de até 21 anos, dependendo do caso.
O ECA estabelece, em seu artigo 121, § 3º, quanto ao adolescente em conflito com a lei, que “em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos”, por cada ato infracional grave. Após esse período, ele passará ao sistema de liberdade assistida ou semiliberdade, podendo retornar ao regime fechado no caso de regressão. 
Sem nenhuma dúvida, a Lei nº 8.069/90 foi um dos maiores acertos de nosso sistema legal, bem... pelo menos na teoria, pois na prática, não tem sido adequadamente concretizada. 
O fato é que diversas discussões vem acontecendo, no âmbito da sociedade brasileira, com vistas a propor possíveis alterações na leis que tratam sobre a matéria - mais especificamente pra que haja a redução da maioridade penal para 16 anos. Tal assunto têm provocado acalorados debates entre especialistas de diversas áreas, autoridades e até mesmo entre leigos no assunto. Contudo, o mais indicado é observar os debates, analisar cada ponto de vista para poder tomar um posicionamento. 
Na minha trajetória profissional, inclusive com atuação no Centro Sócioeducativo de Internação Masculina do Amapá (2004) e no Centro Açucena - liberdade assistida em Santana (2005), tenho percebido e constatado que a maioria das pessoas sequer conhecem o Estatuto. No máximo leram o índice do livro. E pasmem! Nem mesmo os legisladores se esforçam em conhecê-la. Ainda bem que o atual ministro da justiça, Eduardo Cardoso, admitiu que não conhece profundamente sobre o assunto e pediu cautela na aprovação de leis como a que foi proposta pelo Alckmin. Ufa!
Ora, desde o seu surgimento, o Estatuto da Criança e do Adolescente fez a substituição do termo "menor" pelos termos criança e adolescente, definindo assim a condição de infância e de adolescência e combatendo a ideia de relação de poder entre adultos e crianças - menor x maior. Todavia, são muitos os textos que ainda utilizam termos pejorativos.
A doutrina da situação irregular (conforme estabelecia o Código de Menores) em favor da doutrina da proteção integral (ECA) veio estabelecer que seria "obrigação da família, da sociedade e do Estado" assegurar os direitos desses indivíduos, por estarem ainda em pleno desenvolvimento e amadurecimento psíquico. E me digam, como isso pode ocorrer senão através da implementação de políticas públicas sérias, principalmente nas áreas da educação, saúde e assistência social? 
Diante de um momento onde o nosso País atravessa uma crise econômica, política e de valores, estando inundado na lama da corrupção e alastrado pela violência de toda ordem, surgem propostas de leis que, no mínimo, irão trazer consequências desastrosas para o futuro da maioria das crianças e adolescentes brasileiras. Pois afinal, a quem irá atingir a maioridade penal nesse País, senão aos pobres, negros e moradores de periferias? 
Ao invés disso, porque não investir mais na educação? no pagamento digno de professores? na saúde? na cultura e no esporte? Enfim, onde o dinheiro público deveria estar realmente sendo aplicado. 
Quando assisto aos espetáculos midiáticos promovidos por meio das declarações de gestores que ao falarem sobre segurança pública oferecem tão-somente "soluções mágicas", imediatistas e corretivas; penso imediatante na falta de leitura sobre o tema, na incapacidade dessas pessoas em lidar com o assunto, da carência de estudo e de dados concretos nos estados brasileiros sobre a situação do adolescente em conflito com lei e por fim, da falta de planos consistentes na área da segurança pública brasileira.
Senhoras e senhores, leitores deste blog, devo informá-los que o Brasil possui uma das maiores populações carcerárias do mundo, segundo dados da International Center for Prison Studies. Nosso País está atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia. E estima-se que o déficit nos presídios brasileiros seja superior a 200 mil vagas. Para que essas vagas sejam preenchidas, seria preciso investir mais de R$ 6 bilhões de reais, de acordo com estimativas feitas por um ex-diretor do DEPEN, Dr. Maurício Kuehne. Isso sem contar com a possibilidade da redução da maioridade penal. 
Além disso, segundo estudo feito pelo Conselho Federal de Psicologia (2008), no percurso feito pelo individuo adulto que cumpre a pena em regime fechado, podem ocorrer dois fenômenos: vínculos diferenciados podem ser estabelecidos dentro do cárcere. Portanto, presos que atuavam isoladamente, tendem a se organizar dentro do sistema, criando uma nova identidade. Por outro lado, aqueles entre os egressos que não tenham sido “capturados” por essa dinâmica e que estejam sinceramente dispostos a não mais delinquir carregarão para sempre o fardo de terem cumprido pena de prisão. Fato este que, muito provavelmente, o "empurrará" novamente para a prática do delito. Ora, se isso ocorre com os adultos, supostamente mais maduros, imaginem com os adolescentes que muito provavelmente sairão ainda jovens do sistema carcerário. Um longo caminho pela frente! 
Por outro lado, as medidas sócio-educativas previstas no ECA para adolescentes tem por objetivo a "reeducação" e "reintegração" dessa demanda à sociedade. Tais medidas estão previstas no artigo 112 da referida lei e são as seguintes: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviço à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade e internação. Ao aplicá-las o Magistrado da Infância e da Juventude poderá se fundamentar na capacidade do adolescente em conflito com a lei em cumpri-la, nas circunstâncias do fato e na gravidade da infração cometida.
Contudo, tais medidas só poderão se tornar eficazes, se houver investimento sério nas unidades que atuam junto a essa demanda, pois o diferencial está no trabalho sócioeducativo grupal e com as famílias. Além disso, há a urgente necessidade de se investir na prevenção, especialmente nas áreas da educação, esporte e cultura.
Portanto, a diminuição da idade para imputabilidade penal não resolverá o problema da violência em nosso País, pois o mandante do crime, sendo maior de dezoito anos, permanecerá atuando, recrutando outros jovens, pois, se os menores de dezoito anos são instrumentos dos criminosos adultos, os menores de dezesseis anos também o serão, com maior probabilidade. Desta forma, finalizo esse texto com as palavras de Saulo Bezerra: 
"A diminuição da idade penal não será capaz de impedir que amanhã sejam recrutados aqueles entre 14 e 16 anos de idade, ou mesmo os mais jovens. E a partir daí, qual será a simplista solução a ser proposta? Por certo continuaremos o mesmo processo de redução sem discussão das verdadeiras causas a serem atacadas, quando então no Brasil até mesmo o recém-nascido merecerá punição por ser um 'criminoso em potencial' ".(2002, p. 255)
Escrito por Elizabeth Guedes

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